domingo, 2 de setembro de 2007

Entrevista com Fabrício Gomes, Coordenador Geral do DCE UFPA.

ED – Editorial
FG – Fabrício Gomes

ED. A UFPA estava desde 2003 sem representatividade estudantil, primeiramente, você poderia explicar a importância da existência de um DCE em uma Universidade?

FG. O DCE é entidade máxima de representação dos Estudantes de uma Universidade, a ele cabe representar a comunidade discente e lutar por melhores condições de acesso e permanência na Universidade. Todavia, é importante citar que o direito à representação estudantil, previsto na Constituição de 1988 e, em particular, na Lei 7.395, é fruto de lutas históricas travadas pelos Movimentos Sociais, e não concessão pacífica do Estado, como alguns poderiam supor, equivocadamente. A importância de um DCE, mas não só dele, como também a de um Sindicato ou a de um Grêmio Estudantil está no fato de se constituírem direções dos processos de lutas que, cotidianamente, ocorrem na Sociedade. Na França, há alguns meses, a partir da direção de diversos sindicatos e representações estudantis, houve uma grande mobilização dos trabalhadores e da juventude contra o CPE – Contrato do Primeiro Emprego – que viria destruir conquistas no terreno do Código do Trabalho e do Contrato Coletivo, e, após fortes manifestações, fechamentos de ruas e vias publicas em várias cidades da França, eles conseguiram revogar o CPE e garantir direitos historicamente conquistados. Eis a importância prática de uma direção para o movimento social e, portanto, de um DCE para os estudantes de uma Universidade. A história é prova viva de que todo e qualquer processo de luta, seja ele revolucionário ou simplesmente pontual – como foi a luta pelo direito à meia-passagem em nossa cidade – precisa de uma direção que, não só lhe aponte o caminho, mas siga com ele.

ED. Todo mundo sabe que há uma grande discussão sobre a presença dos partidos políticos nas entidades representativas dos estudantes; por exemplo, quando a Chapa Dias de Luta venceu as eleições do DCE / UFPA, houve até uma nota no O Liberal dizendo que o PSOL estava por trás da vitória de vocês, como você explica este fato, considerando que uma Entidade Estudantil deve ser apartidária, e sabendo também que a presença dos partidos, às vezes, “espanta” os estudantes do movimento?

FG. Hoje, vivemos em um Estado Democrático de Direito, embora haja controvérsias (risos), onde o direito a filiação partidária é garantido na nossa Carta Magna, muitos companheiros e companheiras pagaram caro, com as próprias vidas até, para que pudéssemos, abertamente, declarar, por exemplo, que somos socialistas, sem que corramos o risco de sermos presos ou mesmo mortos a mando do Estado. Portanto, o debate sobre a relação partido e movimento é muito tranqüilo de ser feito e, mais ainda, quando se trata da UFPA, onde, sem dúvida nenhuma, há uma elevação grande do nível de consciência dos estudantes em relação a este assunto. Lembro da eleição do DCE, quando passei na turma de Biologia 2005, e fui indagado por uma aluna sobre qual partido pertencia a Chapa Dias de Luta e, obviamente, respondi, sou do PSOL, assim como há alguns na chapa que também são, mas há outros nela, a maior parte, que não têm filiação partidária, contudo, o que nos une são nossas propostas. A nossa chapa em nenhum momento era / foi a chapa do PSOL, mas uma chapa em que o PSOL era parte e, democraticamente, disputava suas posições dentro dela. O fato de haver um militante do PCdoB no CABIO, por exemplo, não faz dele um braço político desse Partido no curso de Biologia, ou pelo menos não deveria ser (risos), posto que as Entidades estudantis devem ser apartidárias. Sou Coordenador Geral do DCE e também sou do PSOL, mas isso não dá o direito a ninguém de afirmar que o DCE é do PSOL; o que caracteriza, na verdade, se um CA, DA ou DCE é ou não aparelhado por um Partido político é a luta real. Veja a UNE, há 15 anos é dirigida por militantes do PCdoB, até aí tudo bem, no entanto, há algum tempo , ela só encaminha luta por conveniência, e não mais representa o interesses dos estudantes, mas o que a direção do PCdoB entende enquanto importante. A Universidade está sendo privatizada pelo Governo Lula, a partir da Reforma Universitária, a UNE, em tese, deveria estar do nosso lado, mas como o PCdoB é base aliada do Governo e, inclusive, tem um de seus parlamentares como presidente da Câmara Federal, ela defende a Reforma e apóia o Governo, em detrimento do interesses dos estudantes. Voltando para UFPA, para finalizar, durante 9 meses de Gestão, em nenhum momento, deixei de encampar alguma luta por conveniência de meu Partido, assim como vejo muitos CA’s e DA’s que, embora haja militantes de um partido em sua diretoria, sempre estão a defender o interesse dos estudantes. E é isso que considero mais importante: o que defendemos, independente de quem somos!

ED. Dentre as principais propostas feitas pela chapa Dias de Luta estavam a Luta por uma Universidade Pública de verdade, a preocupação com a segurança no campus e a retomada das programações culturais? O DCE está tendo sucesso? Conte os avanços conseguidos por vocês até o presente momento.

FG. Apesar de todas as dificuldades que temos encontrado durante a gestão, como falta de recurso financeiro, estrutura física adequada, abandono de cargos por diretores de outras chapas que compõem o DCE e falta de compromisso de alguns, temos conseguido avanços significativos para o conjunto dos estudantes da UFPA. Estamos na linha de frente dos processos de luta contra Essa Reforma Universitária do Governo que privatiza a Educação Superior, temos fiscalizado e denunciado as cobranças indevidas de cursos dentro da Universidade Federal do Pará, assim como lutado até mesmo por aqueles que ainda nem entraram na UFPA, como os estudantes de baixa renda, a exemplo da luta pela isenção da taxa de inscrição no PSS 2007. Nossa atuação, logo no início da gestão, pôde ser vista, quando estivemos a frente da luta pela manutenção do direito à meia-passagem, que Duciomar queria ferir; fomos notícia na Folha de São Paulo. Em seguida, realizamos uma grande Semana do Calouro, com mais de 600 estudantes inscritos; durante 3 dias houve diversos debates e atividades culturais no espaço do Vadião, onde, inclusive, demos largada a retomada do Forró Universitário. Já em meados de 2006, veio a discussão e a aprovação do novo Regimento Geral da UFPA e nós não só ocupamos as cadeiras que nos são devidas no CONSUN, como também apresentamos propostas e tivemos muitas delas aprovadas. Paralelo ao Regimento também ocorreu, e não poderíamos deixar de citar, a luta dos estudantes de Medicina contra a obrigatoriedade das disciplinas eletivas, o DCE não só se fez presente, como também interviu nos espaços institucionais pelos estudantes. Outra luta importante, a qual também fomos protagonistas, foi a que garantiu que nenhum estudante do CT – Centro Tecnológico – e de diversos cursos, ficasse impedido de seguir seu bloco, devido a implementação do novo Sistema de Matrícula da UFPA (SIE). Enfim, foram e têm sido tantas as lutas e conquistas, que eu prefiro parar por aqui (risos).

ED. O novo estatuto da UFPA, já foi aprovado e poucas pessoas tomaram conhecimento, qual foi a participação do DCE nele e quais os resultados para os estudantes dessas modificações?

FG. Aqui, eu gostaria de, antes de qualquer coisa, agradecer a todos os estudantes da UFPA, todos aqueles que garantiram uma vitória histórica para o conjunto do Movimento Estudantil, que foi a retirada do parágrafo único do art. 2 do Estatuto que previa a restrição da gratuidade na UFPA e a possibilidade de cobrança de taxas na graduação. Há alguns meses, estive na cidade de Sumaré, Estado de São Paulo, participando de um Encontro, e conversando com uma amiga da UFMG, ela me dizia, “vocês estão de parabéns, pois conseguiram impedir algo que não conseguimos em nossa Universidade, hoje, na UFMG, pagamos R$ 197, 00, todo semestre, se quisermos nos matricular...”, fiquei muito feliz, porque, embora a luta tenha me rendido um PAD – Processo Administrativo Disciplinar –, garantimos algo que servirá a gerações futuras. Em 2005, ano em que se deu a luta contra o Estatuto de Alex Fiúza, estávamos sem DCE, mas os CA’s e os DA’s da UFPA, aqueles que não eram contaminados pela reitoria, tomaram a frente do processo e obtiveram um resultado inestimável. Depois, já em 2006, a discussão seguiu, pautada em outros pontos, e nós, já no DCE, apresentamos uma proposta referente ao Corpo Discente, e obtivemos alguns ganhos, como o direito à representação, associação, assistência estudantil, estágio e candidatura aos programas de bolsas acadêmicas; assento estudantil em todos os órgãos colegiados e comissões especiais, com direito e voz e voto; mais autonomia ao Movimento Estudantil, etc. Por outro lado, tivemos também alguns pontos negativos e retrógrados aprovados e, portanto, constantes do novo Estatuto da UFPA, como a manutenção da Lei dos 70% na composição dos órgãos colegiados; a extinção do Congresso e da Assembléia Universitária; a manutenção das Fundações ditas de apoio, etc. No geral, embora muitos pontos que não desejávamos terem sido aprovados, ainda assim, a manutenção da gratuidade foi e é motivo para que, mesmo daqui há alguns anos, olhando para trás, tenhamos do que nos orgulhar.

ED. O novo regimento foi aprovado recentemente, mas, assim como o estatuto, pouco foi divulgado aos estudantes, comente um pouco como foi a participação do Diretório nas votações.

FG. A Proposta de Regimento Geral, aprovada no CONSUN, além de ter tentado ferir a autonomia do Movimento Estudantil, ataca a própria democracia na Universidade, quando mantém a prevalência docente nos Colegiados Institucionais, reafirma a Lei dos 70% nas eleições para Reitor (Art.86), não prevê eleição direta para os Diretores dos Institutos (Art. 100), etc. O Regimento também traz dois componentes privatizantes da Contra-Reforma Universitária do Governo: Lei de Inovação Tecnológica e as Fundações de Apoio (Artigos 209 e 214). A Lei de Inovação Tecnológica consiste na abertura da possibilidade de apropriação dos recursos e conhecimentos públicos pela iniciativa privada. Já as Fundações ditas de “Apoio”, lançam a Universidade no Mercado como renomadas prestadoras de serviço sem precisar passar pelo controle público necessário. Com isso, temos uma clara submissão de recursos e conhecimento público ao interesse mercadológico de uma pequena parcela da sociedade. Em relação à Assistência Estudantil, o Regimento era muito limitado, pois não atendia reivindicações históricas do Movimento Estudantil, porém, após formulação de propostas e discussões acaloradas no CONSUN, o DCE conseguiu ganhos importantíssimos para os estudantes da UFPA, como garantia de espaço, infra-estrutura e auxílio financeiro para as entidades estudantis; previsão de creche para as mães universitárias e moradia estudantil; rubrica específica de, no mínimo, 12% no orçamento da Universidade para assistência ao estudante, o que inclui restaurante universitário, assistência médica e jurídica, além de moradia estudantil; oferta de um terço das vagas dos cursos da UFPA, excetuando-se os cursos de regime de tempo integral, no turno noturno; etc. Mas, por último, não poderia deixar de registrar minha indignação com uma votação no CUNSUN, refiro-me aquela em que, após um empate de 22 votos contra e 22 votos a favor, o Reitor, usando da prerrogativa que lhe é conferida enquanto Presidente do Conselho, desempatou a votação contra os estudantes e baixa renda, negando-lhes a isenção da taxa nos Processos Seletivos da UFPA.

ED. Os forrós voltaram, contudo, ainda há uma resistência por parte da prefeitura, a qual alega a falta de segurança como principal motivo para o seu posicionamento contra. Qual a posição do DCE a esse respeito? A prefeitura pode punir quem promove seus forrós?

FG. A discussão sobre o forró, na verdade, faz parte de uma outra mais antiga, que é a de ocupação e gerência do Vadião. O prédio, quando foi construído, tinha como fim ser um espaço de recreação e de lazer dos estudantes da UFPA. Mais do que isso, ser um espaço de resistência do Movimento Estudantil por meio de produções artístico-culturais, não voltadas para a lógica do mercado. Porém, como a concepção de ocupação do espaço por parte da reitoria obedece a uma lógica mercadológica, o Vadião, há alguns anos, vem sendo atacado e as salas dos Movimentos Sociais entregues ao capital; os Bancos ocuparam o espaço e junto com eles outros entes privados, cuja lógica de atuação e o fim último é diverso daquele um dia pensado para o Vadião. O argumento apresentado pela Prefeitura do Campus sobre a insegurança, ao meu ver, é apenas um pretexto para encobrir o projeto elitista e mercadológico que há para aquele espaço. Nós resistimos e continuarmos a realizar os forrós, não porque entendamos o forró enquanto expressão máxima de cultura na Universidade, longe disso, mas porque ele tem servido como um instrumento de luta para um projeto maior que é de retomada do Vadião para os estudantes. Quanto a punição, digo o seguinte, retomando uma passagem bíblica, “tudo me é lícito, mas nem tudo me convém fazer.” E a prefeitura tem bem claro o que significa penalizar algum estudante.

ED. Por fim, diga quais as lutas do DCE para 2007?

FG. Bom, como nossa gestão já termina em abril, caso não haja nenhum imprevisto e demanda extraordinária, a luta que temos pautada para 2007, e que o DCE tem como prioritária, é a construção do IV Congresso Estudantil da UFPA. Ele é um espaço de discussão e deliberação do Movimento Estudantil e congrega estudantes da Capital e do Interior do Estado. O último Congresso foi realizado em 1999 e foi muito importante para a pontencialização das lutas estudantis na UFPA. A programação já foi definida, durante 4 dias os estudantes discutirão Conjuntura, Educação, Universidade, Cultura, Meio Ambiente, Diversidade Sexual, Movimentos Sociais, etc. Haverá um espaço para se discutir especificamente os problemas da interiorização e outro espaço que será destinado as atividades dos cursos, executivas de cursos, federações de cursos, coletivos organizados, etc. Alguns convidados já foram votados pelos CA's e DA’s da UFPA e estão sendo contactados como: Ricardo Antunes - seguidor de Florestan Fernandes e doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, professor da Unicamp, considerado um dos maiores intelectuais brasileiros na área das Ciências Sociais, Emir Sader - sociólogo marxista de maior influência e respeitabilidade no País, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ e Valério Arcari - historiador, autor de "As esquinas perigosas da História" e professor de história do CEFET-SP. Nele, convocaremos a próxima eleição para o DCE e, quem sabe, estaremos ainda mais um ano na frente do DCE (risos).


Fonte: Entrevista concedida ao Editorial do CABIO / UFPA – Centro Acadêmico de Biologia da UFPA. Em dezembro de 2006.

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